Revelação artesanal: forma de expressão artística e de resistência

Com o advento da fotografia digital a partir dos anos noventa, as pessoas, em geral, passaram a ter a possibilidade de realizarem seu processo fotográfico: tirar as fotos, descarregá-las e imprimi-las. Entretanto, a popularização e a simplificação do processo fotográfico trazidas pelas câmeras digitais não conseguiram ofuscar a beleza artística de trabalhos feitos pelo meio analógico.
O processo de revelação artesanal de um filme exibe uma relação dialética de precisão e sensibilidade; combina o rigor das leis físicas e químicas com uma espécie de alquimia da luz. A revelação de um negativo demanda o cumprimento de algumas normas básicas relacionadas aos fatores tempo/temperatura. Os reveladores, por exemplo, necessitam de um tempo mínimo de ação na película a fim de promover a transformação da imagem latente e, para atuarem corretamente, precisam de uma temperatura específica. Ao mesmo tempo em que se exige rigor técnico na contagem do tempo, no controle da temperatura e na aferição dos produtos utilizados, observa-se um viés subjetivo evidenciado no controle das possíveis variáveis que se apresentam no processo, bem como na possiblidade de se alterar o resultado ao qual se pretende chegar. Desse modo, percebe-se que, na revelação analógica, ao se trabalhar com diferentes processos de revelação como negativo, reversível/irreversível e processos alternativos com produtos naturais, aquele que maneja a película pode interferir na qualidade estética do tratamento da emulsão de modo que se obtenham resultados diferentes mesmo seguindo determinados protocolos.
Na oficina ministrada pelos cineastas Luis Macías e Adriana Vila, no Arquivo Público Mineiro, durante o 18o Fest Curtas BH, a película passou por um processo constituído basicamente de três banhos: o revelador, que acelera o escurecimento da imagem latente, ou seja, a prata sensibilizada pela luz na exposição fotográfica; um banho interruptor/estabilizador para inibir o processo de escurecimento da prata; um banho fixador que suspende definitivamente o escurecimento da prata sensibilizada e, finalmente, um banho em água corrente para limpeza da prata não sensibilizada. Nesse procedimento padrão foram feitas diferentes alterações de modo a serem obtidos resultados muito interessantes. A possibilidade de se revelar, por exemplo, filmes com materiais do cotidiano como café, chá, vinho ou vodca parece dar um toque mais artesanal ao processo e, dependendo dos ajustes de tempo e quantidade dos produtos utilizados, tornar patente a íntima relação que o artista possui com a película.
Em um tempo caracterizado pela necessidade de respostas imediatas, pela efemeridade das informações e dos registros, parece não mais haver lugar para a revelação analógica. Há quem diga que os laboratórios químicos brevemente serão desativados devido ao desenvolvimento da fotografia digital e à sua ampla utilização. Não obstante, torna-se defensável a manutenção da fotografia analógica enquanto alternativa expressiva, manifestação explícita da identidade do artista. Além de ser uma forma de expressão artística, representa um pensamento de não sujeição ao capitalismo desenfreado que impõe de forma impiedosa a obsolescência planejada à sociedade dos dias de hoje. No âmbito da revelação analógica os equipamentos duram mais, os produtos utilizados no processo podem ser empregados de forma artesanal e os slides negativos podem durar facilmente um século ou mais. Tais fatores, somados à possibilidade de controle total sobre a obra, têm motivado o surgimento de laboratórios independentes, autogeridos por artistas e cineastas, e a criação de laboratórios caseiros, quase como um movimento de resistência a esse desenvolvimento tecnológico capitalista que tenta ditar valores e formas de expressão à sociedade atual.
Para ler um pouco mais sobre esse assunto:
http://www.mnemocine.com.br/index.php/fotografia/34-tecnica-de-fotografia/172-revelacao
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAehjsAL/a-quimica-a-tecnica-processo-fotografico
http://omeuolhar.com/artigos/comparacao-maquinas-fotograficas-digitais-analogicas
http://www.cratercollective.com/
https://vimeo.com/
Oficina de Revelação Alternativa 16 mm – Arquivo Público Mineiro –
de 08 a 10 de agosto de 2016